Ícone da alta cultura, Bailarina de Vermelho profere palestra em São Paulo
Separem os óculos de acetato. Em São Paulo pela primeira vez, o espetáculo Anticlássico – Uma Desconferência e o Enigma do Vazio traz para a terra da USP, da Semana de Arte Moderna e da Bienal a Bailarina de Vermelho.
Ícone (fictício) da (suposta) alta cultura, a Bailarina cobre com seu curto tutu vermelho a atriz Alessandra Colasanti, que, no espetáculo que escreveu e protagoniza, satiriza os discursos herméticos e a própria postura da intelligentsia.
“Ela é um blend do universo acadêmico, com arte de vanguarda e o submundo do sexo”, define a atriz Cissa Guimarães. E sua antipalestra, que integra a Mostra SESC de Artes, poderia ser definida como “o samba do crioulo doido dos intelectuais (ou pseudo)”, nas palavras de Barbara Heliodora (citemos a principal crítica de teatro do Rio de Janeiro e especialista em Shakespeare, já que estamos tratando de cultura elevada).
Prolegômenos
A Bailarina de Vermelho surgiu como personagem em 2007, quando Alessandra estreou Anticlássico no SESC-Rio. Ao longo dos anos, foi se transformando em performance multimídia, com aparições no jet set (e no carnaval) carioca e intervenções filmadas e disponíveis no Youtube – como a visita, na Flip de 2009, à mesa de debates da artista plástica Sophie Calle e seu ex-namorado, o escritor Grégoire Bouillier. Em 2010, protagonizou um (falso) documentário em curta-metragem, ainda inédito, sobre seu paradeiro, em que diferentes famosos e anônimos dão seus depoimentos – Cissa Guimarães entre eles.
A certidão de nascimento fictícia da personagem é bem anterior: data de 1872, ano em que o francês Edgar Degas pintou um de seus principais quadros, Le Foyer de La Danse à l’Opéra de La Rue Le Peletier. Desta tela ela fugiu, deixando apenas uma cadeira vazia para atestar sua ausência:
Livre dos museus, percorreu o mundo todo: frequentou a casa de Gertrude Stein em Paris, foi bailarina do Balé Imperial Russo, veio para a América com Stanislavski e, lá, integrou a Factory de Andy Warhol. Os grandes nomes se entrecruzam com sua trajetória, para não mencionar aqueles que ela conheceu mais intimamente – como John Cage, Woody Allen, Picasso. Este último, ela explica, um “perfeito exemplo da disparidade entre significante e significado”.
Para marcar sua passagem por São Paulo, a Bailarina concedeu uma entrevista curta à revista BRAVO!, que pode ser conferida a seguir.
Em sendo esta sua primeira fala em São Paulo, a repercussão de sua desconferência entre seus pares da comunidade uspiana é um motivo de ansiedade?
Bailarina de Vermelho: Antes de responder a essa pergunta propriamente, eu faria outra pergunta: em sendo esta minha primeira fala em São Paulo a repercussão da minha desconferência é um motivo de ansiedade entre os meus pares da comunidade uspiana? De minha parte eu me sinto muito tranquila para falar, eu falo mesmo, fa-lo, do verbo falar. E lembrem-se: O mar quando quebra na praia é bonito , é bonito , e é bonito, e não é stritu senso.
Há dois anos visitamos aqui em São Paulo a Bienal do Vazio, como ficou conhecida a última edição da Bienal por trazer uma quantidade pequena de obras de arte. Em sendo o enigma do vazio o tema de sua palestra, você poderia dizer se enxerga um retorno do tema na obra Bandeira Branca, de Nuno Ramos, que se esvaziou após idas e vindas dos urubus?
Curiosa essa pergunta. É importante que se diga que eu não tenho nenhuma bandeira na manga, também não tenho nenhuma manga na manga, e também não tenho nenhuma manga, at all. Isso posto, eu queria mandar um beijão para o Nuno Ramos e para os curadores Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen, a 28ª Bienal de São Paulo foi uma bela homenagem à minha obra. Para os polemistas de plantão eu dedico a máxima do neurótico: é aflitivo, mas é bom.
A relação íntima que você travou com certas personalidades do mundo da academia e das artes é de conhecimento de todos nós, que, mesmo diante de temas tão profundos quanto aqueles explorados por você na palestra, por vezes nos apegamos a essas curiosidades mais concretas. A última pergunta tem esse aspecto um pouco invasivo: em sendo seus affairs tão variados e de altíssimo nível, poderíamos saber a garçonière de qual grande nome você tem frequentado?
Meu corpo é um livro aberto, uma obra em progresso e colaborativa. Apesar de avant garde, sou sintoma do meu tempo. Com o apagamento de todas as fronteiras, o sexo entre quatro paredes se tornou um anacronismo. É preciso realocar os velhos paradigmas, já dizia eu em 1969 na página 53 do meu primeiro livro, “ 53 a página intermitente”, um livro inteiro só de páginas 53. A questão da autoria, da assinatura, é igualmente tema da minha pesquisa. Hoje em dia pratico sexo a céu aberto com desconhecidos. Prefiro não saber seus nomes, como diria meu amigo Chet Baker, “ what a difference a name makes?”. Como artista eu não vejo separação, uma página, uma tela, um poste, uma pessoa, para mim tudo é suporte. Diante disso eu perguntaria, só é possível filosofar em alemão, ou não? O que acontece com o mundo? Essa pergunta não tem resposta.
Anticlássico – Uma Desconferência e o Enigma do Vazio
Mostra SESC de Artes – SESC Vila Mariana (r. Pelotas, 141, Vila Mariana, São Paulo). 23 e 24/11, às 20h. De R$ 6 a R$ 24.
Assista vídeos da Bailarina de Vermelho
Tags: Bailarina de Vermelho, humor, Teatro
Ícone (fictício) da (suposta) alta cultura, a Bailarina cobre com seu curto tutu vermelho a atriz Alessandra Colasanti, que, no espetáculo que escreveu e protagoniza, satiriza os discursos herméticos e a própria postura da intelligentsia.
“Ela é um blend do universo acadêmico, com arte de vanguarda e o submundo do sexo”, define a atriz Cissa Guimarães. E sua antipalestra, que integra a Mostra SESC de Artes, poderia ser definida como “o samba do crioulo doido dos intelectuais (ou pseudo)”, nas palavras de Barbara Heliodora (citemos a principal crítica de teatro do Rio de Janeiro e especialista em Shakespeare, já que estamos tratando de cultura elevada).
Prolegômenos
A Bailarina de Vermelho surgiu como personagem em 2007, quando Alessandra estreou Anticlássico no SESC-Rio. Ao longo dos anos, foi se transformando em performance multimídia, com aparições no jet set (e no carnaval) carioca e intervenções filmadas e disponíveis no Youtube – como a visita, na Flip de 2009, à mesa de debates da artista plástica Sophie Calle e seu ex-namorado, o escritor Grégoire Bouillier. Em 2010, protagonizou um (falso) documentário em curta-metragem, ainda inédito, sobre seu paradeiro, em que diferentes famosos e anônimos dão seus depoimentos – Cissa Guimarães entre eles.
A certidão de nascimento fictícia da personagem é bem anterior: data de 1872, ano em que o francês Edgar Degas pintou um de seus principais quadros, Le Foyer de La Danse à l’Opéra de La Rue Le Peletier. Desta tela ela fugiu, deixando apenas uma cadeira vazia para atestar sua ausência:
Livre dos museus, percorreu o mundo todo: frequentou a casa de Gertrude Stein em Paris, foi bailarina do Balé Imperial Russo, veio para a América com Stanislavski e, lá, integrou a Factory de Andy Warhol. Os grandes nomes se entrecruzam com sua trajetória, para não mencionar aqueles que ela conheceu mais intimamente – como John Cage, Woody Allen, Picasso. Este último, ela explica, um “perfeito exemplo da disparidade entre significante e significado”.
Para marcar sua passagem por São Paulo, a Bailarina concedeu uma entrevista curta à revista BRAVO!, que pode ser conferida a seguir.
Em sendo esta sua primeira fala em São Paulo, a repercussão de sua desconferência entre seus pares da comunidade uspiana é um motivo de ansiedade?
Bailarina de Vermelho: Antes de responder a essa pergunta propriamente, eu faria outra pergunta: em sendo esta minha primeira fala em São Paulo a repercussão da minha desconferência é um motivo de ansiedade entre os meus pares da comunidade uspiana? De minha parte eu me sinto muito tranquila para falar, eu falo mesmo, fa-lo, do verbo falar. E lembrem-se: O mar quando quebra na praia é bonito , é bonito , e é bonito, e não é stritu senso.
Há dois anos visitamos aqui em São Paulo a Bienal do Vazio, como ficou conhecida a última edição da Bienal por trazer uma quantidade pequena de obras de arte. Em sendo o enigma do vazio o tema de sua palestra, você poderia dizer se enxerga um retorno do tema na obra Bandeira Branca, de Nuno Ramos, que se esvaziou após idas e vindas dos urubus?
Curiosa essa pergunta. É importante que se diga que eu não tenho nenhuma bandeira na manga, também não tenho nenhuma manga na manga, e também não tenho nenhuma manga, at all. Isso posto, eu queria mandar um beijão para o Nuno Ramos e para os curadores Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen, a 28ª Bienal de São Paulo foi uma bela homenagem à minha obra. Para os polemistas de plantão eu dedico a máxima do neurótico: é aflitivo, mas é bom.
A relação íntima que você travou com certas personalidades do mundo da academia e das artes é de conhecimento de todos nós, que, mesmo diante de temas tão profundos quanto aqueles explorados por você na palestra, por vezes nos apegamos a essas curiosidades mais concretas. A última pergunta tem esse aspecto um pouco invasivo: em sendo seus affairs tão variados e de altíssimo nível, poderíamos saber a garçonière de qual grande nome você tem frequentado?
Meu corpo é um livro aberto, uma obra em progresso e colaborativa. Apesar de avant garde, sou sintoma do meu tempo. Com o apagamento de todas as fronteiras, o sexo entre quatro paredes se tornou um anacronismo. É preciso realocar os velhos paradigmas, já dizia eu em 1969 na página 53 do meu primeiro livro, “ 53 a página intermitente”, um livro inteiro só de páginas 53. A questão da autoria, da assinatura, é igualmente tema da minha pesquisa. Hoje em dia pratico sexo a céu aberto com desconhecidos. Prefiro não saber seus nomes, como diria meu amigo Chet Baker, “ what a difference a name makes?”. Como artista eu não vejo separação, uma página, uma tela, um poste, uma pessoa, para mim tudo é suporte. Diante disso eu perguntaria, só é possível filosofar em alemão, ou não? O que acontece com o mundo? Essa pergunta não tem resposta.
Anticlássico – Uma Desconferência e o Enigma do Vazio
Mostra SESC de Artes – SESC Vila Mariana (r. Pelotas, 141, Vila Mariana, São Paulo). 23 e 24/11, às 20h. De R$ 6 a R$ 24.
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