terça-feira, 30 de novembro de 2010

são eles que estão dizendo

 

Ícone da alta cultura, Bailarina de Vermelho profere palestra em São Paulo

Separem os óculos de acetato. Em São Paulo pela primeira vez, o espetáculo Anticlássico – Uma Desconferência e o Enigma do Vazio traz para a terra da USP, da Semana de Arte Moderna e da Bienal a Bailarina de Vermelho.
Ícone (fictício) da (suposta) alta cultura, a Bailarina cobre com seu curto tutu vermelho a atriz Alessandra Colasanti, que, no espetáculo que escreveu e protagoniza, satiriza os discursos herméticos e a própria postura da intelligentsia.
“Ela é um blend do universo acadêmico, com arte de vanguarda e o submundo do sexo”, define a atriz Cissa Guimarães. E sua antipalestra, que integra a Mostra SESC de Artes, poderia ser definida como “o samba do crioulo doido dos intelectuais (ou pseudo)”, nas palavras de Barbara Heliodora (citemos a principal crítica de teatro do Rio de Janeiro e especialista em Shakespeare, já que estamos tratando de cultura elevada).
Prolegômenos
A Bailarina de Vermelho surgiu como personagem em 2007, quando Alessandra estreou Anticlássico no SESC-Rio. Ao longo dos anos, foi se transformando em performance multimídia, com aparições no jet set (e no carnaval) carioca e intervenções filmadas e disponíveis no Youtube – como a visita, na Flip de 2009, à mesa de debates da artista plástica Sophie Calle e seu ex-namorado, o escritor Grégoire Bouillier. Em 2010, protagonizou um (falso) documentário em curta-metragem, ainda inédito, sobre seu paradeiro, em que diferentes famosos e anônimos dão seus depoimentos – Cissa Guimarães entre eles.
A certidão de nascimento fictícia da personagem é bem anterior: data de 1872, ano em que o francês Edgar Degas pintou um de seus principais quadros, Le Foyer de La Danse à l’Opéra de La Rue Le Peletier. Desta tela ela fugiu, deixando apenas uma cadeira vazia para atestar sua ausência:

Livre dos museus, percorreu o mundo todo: frequentou a casa de Gertrude Stein em Paris, foi bailarina do Balé Imperial Russo, veio para a América com Stanislavski e, lá, integrou a Factory de Andy Warhol. Os grandes nomes se entrecruzam com sua trajetória, para não mencionar aqueles que ela conheceu mais intimamente – como John Cage, Woody Allen, Picasso. Este último, ela explica, um “perfeito exemplo da disparidade entre significante e significado”.
Para marcar sua passagem por São Paulo, a Bailarina concedeu uma entrevista curta à revista BRAVO!, que pode ser conferida a seguir.
Em sendo esta sua primeira fala em São Paulo, a repercussão de sua desconferência entre seus pares da comunidade uspiana é um motivo de ansiedade?
Bailarina de Vermelho: Antes de responder a essa pergunta propriamente, eu faria outra pergunta: em sendo esta minha primeira fala em São Paulo a repercussão da minha desconferência é um motivo de ansiedade entre os meus pares da comunidade uspiana? De minha parte eu me sinto muito tranquila para falar, eu falo mesmo, fa-lo, do verbo falar. E lembrem-se: O mar quando quebra na praia é bonito , é bonito , e é bonito, e não é stritu senso.
Há dois anos visitamos aqui em São Paulo a Bienal do Vazio, como ficou conhecida a última edição da Bienal por trazer uma quantidade pequena de obras de arte. Em sendo o enigma do vazio o tema de sua palestra, você poderia dizer se enxerga um retorno do tema na obra Bandeira Branca, de Nuno Ramos, que se esvaziou após idas e vindas dos urubus?
Curiosa essa pergunta. É importante que se diga que eu não tenho nenhuma bandeira na manga, também não tenho nenhuma manga na manga, e também não tenho nenhuma manga, at all. Isso posto, eu queria mandar um beijão para o Nuno Ramos e para os curadores Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen, a 28ª Bienal de São Paulo foi uma bela homenagem à minha obra. Para os polemistas de plantão eu dedico a máxima do neurótico: é aflitivo, mas é bom.
A relação íntima que você travou com certas personalidades do mundo da academia e das artes é de conhecimento de todos nós, que, mesmo diante de temas tão profundos quanto aqueles explorados por você na palestra, por vezes nos apegamos a essas curiosidades mais concretas. A última pergunta tem esse aspecto um pouco invasivo: em sendo seus affairs tão variados e de altíssimo nível, poderíamos saber a garçonière de qual grande nome você tem frequentado?
Meu corpo é um livro aberto, uma obra em progresso e colaborativa. Apesar de avant garde, sou sintoma do meu tempo. Com o apagamento de todas as fronteiras, o sexo entre quatro paredes se tornou um anacronismo. É preciso realocar os velhos paradigmas, já dizia eu em 1969 na página 53 do meu primeiro livro, “ 53 a página intermitente”, um livro inteiro só de páginas 53. A questão da autoria, da assinatura, é igualmente tema da minha pesquisa. Hoje em dia pratico sexo a céu aberto com desconhecidos. Prefiro não saber seus nomes, como diria meu amigo Chet Baker, “ what a difference a name makes?”. Como artista eu não vejo separação, uma página, uma tela, um poste, uma pessoa, para mim tudo é suporte. Diante disso eu perguntaria, só é possível filosofar em alemão, ou não? O que acontece com o mundo? Essa pergunta não tem resposta.
Anticlássico – Uma Desconferência e o Enigma do Vazio
Mostra SESC de ArtesSESC Vila Mariana (r. Pelotas, 141, Vila Mariana, São Paulo). 23 e 24/11, às 20h. De R$ 6 a R$ 24.
Assista vídeos da Bailarina de Vermelho
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